quarta-feira, 17 de março de 2010

Eu, robô, eu

Acordo com o despertador. Luto contra a vontade de continuar na cama por poucos minutos. Meu senso de responsabilidade faz eu me levantar rapidamente. Ou seria culpa? Sinto o meu coração bater. Café para despertar de vez; pão para dar energia. Higiene bucal, roupa, leitura da primeira página do jornal. Tchau, meu amor, estou indo. Te amo muito. Ao trabalho.

Sete minutos até o metrô. Três minutos, a composição. Tumulto no vagão. O ar-condicionado não funciona. Mais uma vez somos tratados como bovinos. E achamos normal. Qualquer traço de indignação é repelido prontamente: já vem polemizar. Polêmica é palavra não grata. Remete à atitude suspeita. Por segurança, é melhor marginalizar. Manter afastada para garantir a ordem e o senso comum. Todos bem comportados. E o metrô continua cheio, caro e quente. Sete minutos até o escritório.

Oito andares. Abro a porta de vidro. Ah, o ar-condicionado funciona. Funciona bem. Muito bem até. Começo a congelar. Sento na cadeira, ligo o computador, ponho o celular ao lado. Abro uma porção de janelas ao mesmo tempo. Está frio. Meu coração não bate mais. É o que parece.

Como um autômato, trabalho. Analiso, agendo a home do portal, sou pragmático. Estamos vendendo mal. Ponho uma foto de uma moça com bunda grande no destaque. Funk com palavrão também vende bem. Não me esqueço de botar o preço. Escolho o menor dos valores, aquele que tem um asterisco com uma explicação em letras miúdas. Ninguém lê.

Uma hora. Levanto. Tomo água. Depois, café. É para trabalhar melhor. Ponho o meu fone de ouvido. Isolado pela música, faço parte do grupo de funcionários da empresa. Todos ouvem música. Individualmente. Subo mais uma home para o portal. É a segunda do dia.

Milhares de frases de até 140 caracteres aparecem no Twitter. Não consigo ler todas. Janelas de MSN piscam em meu monitor. No celular, SMS e toques diversos. As duas contas de e-mail recebem mensagens de tempos em tempos. A maior parte não serve para nada. Tem que saber filtrar. É a grande questão da sociedade da informação. Dizem. Melhor não pensar nisso. Pensar desgasta. Preciso recarregar minhas baterias. Água e café.

O ar-condicionado segue gelado. E o coração, sem bater. Sete horas. Falta apenas uma. Subo a quarta home do dia. Ainda faltam duas. É para o fim de semana. Ninguém entra no portal no fim de semana. Melhor não pensar nisso. Desgasta, já disse.

A contagem regressiva começa. Fecho as janelas e os arquivos. 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1. Tchau, até amanhã. Abro a porta de vidro. O calor fora do escritório esquenta o meu corpo. Meu coração bate de novo. Caminho em direção ao metrô despreocupadamente. O celular toca. Um convite para tomar um chope. Não estava programado, nem agendado. Aceito sem analisar o convite. O coração bate forte agora.

Minha vida humana segue assim, diariamente, com intervalos de oito horas para a minha porção robô.



Por: Tiago Velasco . Visite o seu Blog : http://www.escrevinhando.com.br/

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